Autismo e Gênero: Particularidades da Manifestação Feminina do Espectro Autista

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem sido historicamente associado a uma maior incidência em meninos. Estudos recentes reforçam essa ideia, mas também trazem novas perspectivas sobre como o autismo se manifesta e é identificado em mulheres.

De acordo com dados do CDC (Centers for Disease Control and Prevention) de 2020, a prevalência do TEA em crianças de 8 anos nos Estados Unidos foi estimada em 1 em cada 36. Dentro desse grupo, aproximadamente 4,3% dos meninos receberam o diagnóstico, em comparação com 1,1% das meninas, resultando em uma proporção de 3,8 meninos para cada menina diagnosticada. Já um estudo global mais recente, publicado em 2024, sugere uma razão um pouco menor, de aproximadamente 2 homens para cada mulher, o que pode refletir avanços na identificação do TEA no público feminino.

Mas por que essa diferença ainda é tão significativa?

Autismo Feminino: Uma Manifestação Diferente

Cada vez mais, pesquisas apontam que as mulheres no espectro podem apresentar características diferentes daquelas tradicionalmente associadas ao TEA, o que contribui para o subdiagnóstico ou para diagnósticos tardios. Muitas das escalas e critérios clínicos foram desenvolvidos com base em estudos predominantemente masculinos, o que significa que as manifestações femininas podem passar despercebidas, especialmente em casos de autismo de nível 1 (anteriormente conhecido como autismo leve ou síndrome de Asperger).

Algumas das particularidades do TEA em mulheres incluem:

1. Maior capacidade de camuflagem social

Muitas mulheres autistas aprendem, desde cedo, a imitar padrões de comportamento neurotípico, o que inclui forçar contato visual, seguir roteiros sociais e até desenvolver “máscaras” para ocultar suas dificuldades em interações sociais. Essa camuflagem pode levar a um maior desgaste emocional e a um risco aumentado de transtornos como ansiedade e depressão.

2. Interesses restritos mais alinhados com normas sociais

Enquanto meninos no espectro podem demonstrar interesses intensos por temas como trens, dinossauros ou sistemas matemáticos, as meninas autistas frequentemente desenvolvem hiperfocos mais socialmente aceitos, como literatura, psicologia, cultura pop ou até o comportamento humano, o que pode fazer com que suas características passem despercebidas.

3. Habilidades linguísticas mais desenvolvidas na infância

Em média, meninas autistas apresentam um desenvolvimento da linguagem mais próximo ao das crianças neurotípicas, o que pode levar pais e professores a não suspeitarem de um possível diagnóstico. Isso contrasta com o perfil clássico do autismo infantil, onde atrasos na fala são um dos sinais de alerta.

4. Maior sensibilidade emocional e propensão a relacionamentos intensos

Embora a dificuldade em interpretar regras sociais seja uma característica comum do TEA, muitas mulheres no espectro demonstram uma sensibilidade emocional profunda e podem formar laços intensos e até obsessivos com pessoas ou grupos específicos. Isso pode levar a dificuldades em manter amizades equilibradas ou a um sofrimento significativo em situações de rejeição.

5. Subdiagnóstico e diagnósticos equivocados

Muitas mulheres autistas passam anos sem um diagnóstico adequado e, ao buscarem ajuda, frequentemente recebem diagnósticos de transtornos de ansiedade, depressão ou transtorno de personalidade borderline. A falta de conhecimento sobre a manifestação feminina do TEA pode resultar em tratamentos inadequados e na perpetuação do sofrimento psicológico.

A Importância da Informação e Diagnóstico Precoce

À medida que a ciência avança, fica mais evidente que o TEA é muito mais diverso do que se pensava. O aumento na conscientização sobre as diferenças de gênero no autismo tem levado mais mulheres a receberem diagnósticos corretos e, consequentemente, acesso a intervenções e suporte adequados.

No ambiente escolar, é essencial que educadores estejam atentos a essas nuances para que meninas autistas não sejam deixadas para trás. O reconhecimento precoce das suas dificuldades e talentos pode fazer toda a diferença no seu desenvolvimento emocional, acadêmico e social.

Por isso, discutir a prevalência do autismo sob a ótica do gênero não é apenas uma questão estatística, mas um passo fundamental para garantir que todas as pessoas no espectro sejam vistas, compreendidas e apoiadas de forma adequada.

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Adelita Marques

Neuropsicóloga e escritora

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